Acho que estou finalmente na última semana da escrita da minha dissertação de mestrado, e, depois de uns longos minutos encarando a tela com as páginas já escritas, eu fiquei querendo pensar em outra coisa por um momento. A questão é que eu não sei mais no que pensar. Não faço a menor ideia. Eu estudo o que estudo já há alguns anos, com diferente recorte, diferente objeto, mas com a mesma temática: os crentes pentecostais brasileiros.
Eu poderia agora pensar no resultado das eleições de domingo, eu poderia pensar na pandemia que não sei quando nem se vai acabar um dia, poderia pensar que sexta-feira tenho análise, e que tenho muita coisa pra falar, como sempre tive, minha vida é um eterno falar demais, poderia pensar, sei lá, que está ventando muito e parece que vai chover. Mas eu não consigo tirar da minha cabeça que dentro de alguns dias vou defender as páginas que escrevi como se estivesse lutando pela minha vida. É exagerado e dramático, mas eu sou exagerada e dramática, dizem que é culpa do meu signo, o que me faz pensar por uma fração de segundo que meu aniversário é mês que vem e que em poucos dias o sol vai entrar em sagitário, e eu não faço ideia do que isso significa, mas vou aceitar a culpa dele pelo meu exagero e drama.
Eu poderia pensar em tudo isso que já falei, mas ainda assim estaria pensando nos crentes pentecostais brasileiros, porque esse país não funciona mais da mesma forma e isso também tem a ver com eles, e nas eleições de domingo eles foram em peso votar e porque tudo isso faz parte de quem somos enquanto nação, e eu pareço uma obcecada (talvez eu seja) e não retiro essas pessoas de nenhuma equação. Acho que o fato de que vou tentar ser dotôra logo depois da defesa do mestrado, e que vou seguir querendo analisar os pentecostais brasileiros tem a ver com tudo isso. Imagina minha ousadia de querer ser doutora?! Se eu fosse o resto do mundo estava rindo da minha cara agora, mas eu não sou o resto do mundo, então vou dar ao mundo minha cara a tapa pra estar nesse lugar também, o lugar dos doutores, o lugar que me parece tão claramente não ser meu, mas que eu vou teimar em tentar. Ao menos tentar. Talvez isso também seja culpa de sagitário, sei lá.
Hoje cedo eu li um texto do Anderson França, esse também sagitariano desajustado, tão diferente de mim, mas que me traduz em tantos momentos. Ele nem sabe que eu existo, mas ele me traduz. Ele falava sobre a colonização, não a dos portugueses (que inclusive ele vê melhor agora em seu exílio em Portugal), mas a colonização missionária protestante, que dá à pessoa crente outra visão de mundo, de país. Eu também sofri essa colonização. Não foi a Europa católica que me colonizou, mas foi a ética protestante, a doutrina histórica britânica, os europeus reformados que formaram minha identidade de colonizada. Eu sei muito pouco sobre o Brasil católico, assim como pontuou Anderson. Eu sou fruto de uma mistura de metodistas e presbiterianos, daqueles roxos mesmo, que levam os cânones junto da Bíblia e do hinário, claro. Eu nunca rezei um terço, não sei bem o que é um rosário. Lá em casa a gente cantava Vencendo vem Jesus, e nunca fizemos sinal da cruz. Eita, rimou, que cafona.
A minha forma de ser colonizada no Brasil, na América Latina, é muito estranha aos outros. É tão estranha que as outras esferas da sociedade ignoram que não fomos colonizados da mesma forma, e que, portanto, não pensamos nem agimos da mesma maneira.
Assim como os colonizados pelos televangelistas pentecostais estadunidenses, gente empreendedora, liberal na economia e conservadora nos costumes, que trouxe pra essa país não apenas o dom de línguas e o batismo no Espírito Santo, mas também a Teologia da Prosperidade e a linguagem de mercado. Eles também colonizaram, especialmente os pobres, especialmente os sem perspectiva e sem amparo estatal, especialmente os marginalizados, excluídos, da roça e do subúrbio, da favela e dos rincões distantes onde ninguém vai. Não deixam nem os índios em paz.
Esse país não aprendeu a lidar nem com aquela ética protestante que não existe mais, será que vai aprender a lidar com o colonialismo neopenteca que oferece argumentos e recursos discursivos para uma expectativa de mudança de vida que os partidos políticos não são mais capazes de oferecer? Será que as exxxquerdas tão limpinhas e desinfetadas vão saber falar com a tia do reteté ou com a avó que acorda cantarolando Céu lindo Céu? Até agora parece que não.
Eu não sou neta de bruxa nenhuma que não conseguiram queimar, eu sou neta de crente, mulher plantadora de igreja, que equilibrava a criação de oito filhos com seu evangelismo simples e direto, mas muito eficaz. Não tente trazer os signos gramaticais das Laranjeiras pra quem foi colonizado de outra forma. Parem de achar que as pessoas são burras e bitoladas, que coisa mais feia e irritante.
Eu ando de saco cheio dessas exxxquerdas mais acéticas que os puritanos, ouvindo João Gilberto, mas também a nova MPB, claro, sem saber quem foi Luís de Carvalho, e nunca ouviu Rude Cruz, porque essas coisas de crente pra cima deles não, isso é lavagem cerebral. Ahhhh gente, faz favor, vai fazer a lição de casa, vai aprender o que é esse país e entender que ele vai muito além das nossas leituras eruditas.
Eu ando de saco cheio, mas a culpa deve ser do meu signo, assim o jovem místico me entende melhor.
Comments