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  • Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Pela força do ódio.

Dizem que a força do ódio move. Ultimamente me sinto cada vez mais inclinada a acreditar nisso, porque certos ódios têm me movido.

Eu tenho tido imensa dificuldade de escrever. Aqui ou em qualquer outro lugar, inclusive na minha dissertação de mestr

ado, onde eu realmente PRECISO escrever. Essa dificuldade vem de um processo de adoecimento mental que se intensificou nos últimos meses. Processo, porque não surge do nada, existem muitas camadas nas minhas questões psíquicas, mas as camadas paralisantes de agora, eu nunca tinha vivido antes.

Voltando à força do ódio. Essa força às vezes me faz reagir, e longe de mim dizer que isso é saudável ou terapêutico, eu não quero precisar sentir ódio pra ter que sentir algo, porque na real, nos últimos tempos eu sinto um grande nada, oco, vazio, ausência de tudo. Não quero que seja justo o ódio a me tirar da estagnação, do limbo da apatia, da falta de pulsão. Mas hoje é, e pela força do ódio escrevo essas “mal traçadas linhas” (lembro de uma professora de redação falando pra pelo amor de Deus nunca escrevermos essa expressão), mas com a força do ódio me dou licença poética no que não tem poesia alguma.

Pois bem, o que me tornou uma pessoa que odeia nessa tarde de domingo de quarentena pandêmica? O que mais poderia ser? Gente, é claro. Pessoas.

Eu uso redes sociais, uso muito inclusive, e não estou atrás de nenhum conselho pra diminuir minha frequência nas redes ok? Lembrem-se, hoje estou com ódio e pode sobrar patada pra quem vier me aconselhar e me dar soluções, porque é justamente isso o que me incomoda a ponto de surgir em mim sentimento tão vil quanto o ódio. Rede social virou a única fonte de informação de muita gente, a única forma de se formar opinião, e isso é estranho, porque no Instagram todo mundo se acha especialista em algo.

Que fique claro que meu ódio não é com as pessoas que criam redes sociais pra compartilharem experiência, produzir algum tipo de conteúdo que de fato seja condizente com sua formação e/ou experiência pessoal e vivência. Meu problema é com o “influencer” como profissão. Está aí a raiz do meu ódio do dia de hoje.

Em algum momento da História recente “influencer”, “youtuber”, “blogueira”, se tornaram profissões, bastante rentáveis pra alguns poucos bem sucedidos, inclusive. Grande parte está ali cuspindo um tanto de conteúdo desnecessário, mas existe público pra isso, ok, faz o seu na paz. Só não se meta em terrenos que desconhece, não mexa em temáticas sérias e delicadas sem ter ideia do que está fazendo, e ah, principalmente, não seja abusivo com crianças pra ter like.

A banalização das patologias mentais é algo que a gente, que de fato convive com alguma, está mais do que cansado de saber que existe. Dizer que é ansioso, está meio deprimido, tem TOC, parece um esquizofrênico, são práticas comuns das pessoas todas, no dia a dia, sem se dar conta. E isso já é muito grave, as pessoas precisam seriamente rever o que andam dizendo, porque boa parte das pessoas nunca vivenciou uma crise ansiosa na vida e sai por aí dizendo que está morrendo de ansiedade. Ter uma noite de insônia antes do concurso que você acha que vai mudar sua vida não é ansiedade, ter uns dias de tristeza não é depressão, organizar suas roupas por cores não é TOC. Além disso, ainda tem aquela coisa de chamar de doido as pessoas que são apenas ruins. Bolsonaro não é doido, ele é perverso, respeitem os doidos, por favor.

Mas vamos voltar às “influencers”. Hoje eu me deparo com uma, uma em particular que já me incomoda há tempos por sua falta de responsabilidade com temas delicadíssimos, e com as questões que ela desperta em mulheres do meu convívio que teriam propriedade pra falar de tais temas, mas a quem ela jamais daria voz, porque tudo é sobre ela e somente ela.

Existe a necessidade de criar conteúdo o tempo todo quando você se pretende “influencer”, se não as pessoas perdem o interesse, param de te seguir, de te dar like, e essas coisas aí do mundo bloguer. E ok viver de criar conteúdo, o que a criatura faz com seu tempo e energia, de onde ela quer que saia o rendimento financeiro dela é um problema só dela. Mas, novamente, não vá pisar em terrenos que não são seus, falar besteira sobre os assuntos e dizer que tudo faz parte de um grande processo de autoconhecimento.

O terreno da saúde mental é sério, seríssimo. Eu, que convivo há anos com patologias, que faço análise, não me meto nele, por um motivo simples: eu não sou capaz de versar sobre algo que eu não estudo, não tenho bagagem teórica e não me dedico. Mesmo vivendo na pele, me limito a falar da minha experiência pessoal com ansiedade, depressão, síndrome do pânico e claustrofobia severa, que são minhas companheiras de inferno. Uma “influencer” sem formação, em suposto processo de autoconhecimento, não tem o direito de vomitar sobre ansiedade, porque além de ultrajante e desrespeitoso com quem de fato vive com isso, é um perigo sem tamanho pras pessoas que seguem assiduamente seu conteúdo, e consideram que o que está escrito ali é sério. Entre isso e os coachs charlatães, na minha humilde e raivosa opinião, não há diferença.

Nem vou tocar aqui no assunto da menina Bel, porque além de ser pesado demais pro meu frágil emocional nesse momento, eu não teria nada a contribuir com o assunto, me resta a indignação e o desejo de que as providências sejam tomadas.

Vou me limitar a falar da enxurrada de “””conteúdo””” que inunda nossos feeds o dia inteiro, nos dando receitas de autoconhecimento, equilíbrio e vida plena, vinda de gente que banaliza as doenças mentais, banaliza o sofrimento de quem vive com elas, banaliza questões sociais, como os preconceitos que estão nas estruturas dessa sociedade, se apropriando deles sem ter a menor vivência, apenas pra produzir conteúdo lacrador e manter a audiência alta, enquanto os oprimidos de fato continuam silenciados, esquecidos, apagados da História, até mesmo do conteúdo digital mais acessado.

O jovem “influencer” que acha que tem resposta pra tudo, que pensa que é profundo e político quando é só mais um lacrador, que tem respostas rasas e vazias de sentido pra todos os males, que banaliza o que faz muita gente sofrer em busca de like, tem que acabar.

Em um dia de profunda ansiedade você não faz pose e carão pra foto, porque em um dia de profunda ansiedade você está no inferno, e no inferno não tem câmera frontal de celular.

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