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  • Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Ode ao pessimismo

Outro dia eu queria uma garrafinha de água nova, porque a minha estava quebrada. Precisei bater bastante canela até achar uma garrafinha de água que não tentasse me motivar. Eu só queria beber água, não queria ler que a vida é linda, que eu preciso de “foco, força e fé”, que eu devo levar a vida leve, que eu sou linda e mereço o mundo, nem nada que o valha. Eu só queria beber água.

As pessoas, de um modo geral, me consideram pessimista, negativa até. Talvez eu seja mesmo, e daí? Tenho problemas sérios com essa obrigação de ver o lado bom de tudo, porque, pasmem, tem coisas que não tem lado bom, não importa o que o coach ou o Instagram de frases motivacionais te disse, existem coisas que simplesmente são ruins e que ninguém deveria viver. “Ah, mas vo

cê vai aprender com isso”, podem dizer os otimistas. Apenas parem. As pessoas por acaso têm mesmo que aprender pelo sofrimento?

Pra mim, essa é uma das maiores ciladas da contemporaneidade, esse papo de resiliência pra romantizar desigualdade, sofrimento, injustiça. Essa ideia de ver lado bom em tudo, de ter postura positiva em relação a qualquer merda que te aconteça, e se não faz isso, Deus me livre, vira uma pessoa tóxica, vinda direto de Chernobyl.

Não quero fazer uma apologia ao pessimismo, ou sei lá, talvez eu queira. Mas olha bem pras nossas perspectivas reais, sem sonho colorido, sem ilusões românticas e sem o que os “profissionais da motivação” têm nos dito. As perspectivas são ruins, tem gente preta e pobre morrendo todo dia, tem mulher sendo espancada até ficar irreconhecível, tem LGBT sendo chutado de casa pelos pais, tem universidade pública sem dinheiro pra fechar o mês, tem até dia pra poder ou não fazer cocô! Mas nos querem otimistas e levando a vida leve. Desculpa universo, não vai ser dessa vez que vou conseguir emanar essa energia positiva que dizem que você precisa que eu mande pra que, depois, você me devolva tudo em dobro.

A pessoa de quem está se cobrando positividade, a pessoa chamada de tóxica, as vezes está enfrentando o que há de pior nesse mundo doente, e ela não é obrigada a entubar o que vive e sente pra não atrapalhar sua good vibe.

O mundo está doente, tão doente, que quer fingir que é lindo, que a vida é boa e que, no fim, tudo vai dar certo pra todo mundo. Todo esse papo motivacional, desde a garrafinha de água, faz parte da doença, a doença de fingir.

Mas não me levem a sério, eu sou só uma pessimista, tóxica, tentando atrapalhar a boa energia de vocês.

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