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Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Ninguém aguenta mais o jovem místico.

Ninguém aguenta mais o jovem místico ou, a arrogância dos millenials; porque, acaba sendo meio que a mesma coisa. Sabe aquela pessoa que se acha intelectualmente superior por não gostar de futebol, e que faz questão de esbravejar sua erudição intelectual antifutebolística pelas redes sociais, em espe

cial na copa do mundo? Então, o jovem místico, ou os millenials, tem um quê disso, não apenas no futebol, mas também no que diz respeito às religiões, mais precisamente as ocidentais judaico-cristãs.

A essa altura você deve pensar que fiquei doida por defender os desmandos e autoritarismos de religiões moralistas, com poder de interferência tão grande e que deixaram marcas tão profundas em nossa sociedade, além de se colocarem representada em espaços de poder e disputa de narrativa, geralmente contra os direitos de quem pensa ou crê diferente, ou de quem simplesmente não crê. Calma, talvez eu esteja doida sim, mas termina de ler antes de fazer meu diagnóstico.

Não vou aqui fazer nenhum tipo de reflexão filosófica sobre as religiões, sobre nenhuma religião, de nenhuma matriz. Da mesma forma que não vou discutir futebol. Não se trata disso. O que queria falar, porque ando pensando bastante nisso, é: em que momento essa geração de jovens supostamente, e autodeclarados, progressistas passaram a menosprezar e ridicularizar pessoas pelo credo? Ou sempre foi assim e a ingênua era eu?

Recentemente o deputado do PSOL Marcelo Freixo deu uma entrevista ao site Ocafezinho, em que falou sobre a necessidade da esquerda dialogar com os evangélicos. Depois de perder a prefeitura do Rio pro bispo da Universal, Freixo, a quem tenho tantas críticas que não caberia aqui, assim como tenho profundo respeito, aparentemente fez a tão perseguida autocrítica, e reconheceu a importância desse grupo, politicamente falando. A militância não concordou com ele, e os comentários a respeito dos pentecostais foram regados a bastante ofensa e baixaria. Isso não é apenas um erro político-eleitoral grotesco, já que essa camada da população só faz crescer, e essa camada da população vota, elege bancada e tudo mais; isso é arrogante, presunçoso.

Por favor, não confundam minha crítica com uma suposta existência de “cristofobia”, porque acho que todo mundo sabe que um preconceito de fato existe quando ele está nas bases, nas estruturas de uma sociedade, e o cristianismo não passa nem perto de sofrer isso no Ocidente; mas isso não significa que não existam comportamentos pontuais, de grupos específicos, que menosprezam, diminuem, ridicularizam pessoas que professam fé cristã; e pra minha tristeza, parece que esse comportamento vêm de nós, pessoas que se consideram defensoras dos direitos e das liberdades.

Nos meios acadêmicos de esquerda isso fica bastante evidente, e talvez pra mim salte mais aos olhos, já que os pentecostais são meu objeto de estudo há mais de três anos, além de eu pessoalmente ter tido formação cristã protestante histórica, o que, possivelmente, me torna mais atenta a certos sinais. As críticas ao sistema religioso, às instituições (mais do que necessárias e urgentes), muitas vezes passam ao ataque pessoal aos fieis, que se tornam, na boca acadêmica, gente bitolada, burra, que sofreu lavagem cerebral, que sustenta pastor, massa de manobra e por aí vai...

Daí vem, em minha humilde e nada importante opinião, o erro de estratégia política e a arrogância. Vocês já pararam pra pensar o que leva uma pessoa a estar em uma igreja adepta da Teologia da Prosperidade? Já refletiram que existe ali um sujeito ativo, um agente da própria vida, que muitas vezes é alguém bastante ambicioso, além de ser, de modo geral, historicamente um excluído do mercado de consumo, que encontra ali, naquele meio, naquela igreja, naquele discurso, uma resposta pras suas ambições pessoais? Um caminho pra ascensão social, pro prestígio, pra mudança de vida? Já imaginaram que pra alguns funciona, faz sentido, atende às expectativas, e por isso continuam? Lembram das aulas de Antropologia? Marcel Mauss? Ensaio sobre a dádiva? Dar, receber e retribuir? Pois é, a Teologia da Prosperidade tem tudo a ver com isso, o princípio da reciprocidade, então amiguinhos, nem todos que lotam cada vez mais os bancos das igrejas pentecostais são ingênuos que sofreram lavagem cerebral. Ali existem sujeitos donos de si, conscientes e que sabem exatamente o que querem, inclusive com tudo muito bem planejado, já que algumas dessas igrejas oferecem o que podemos chamar de uma “consultoria empresarial e financeira”.

É arrogante demais da parte dos amiguinhos estudados e progressistas, pensar que ali, dentro das igrejas, existe gente mais burra que eles. É arrogante demais quando o saber acadêmico se torna nossa carteirada de sabichões, nos descola do mundo prático, nos torna absolutamente incapazes de dialogar com o trabalhador, com a mulher e o homem da igreja, que tem ambições, expectativas, planos e metas. É arrogante demais quando a militância partidária que, supostamente reivindica pra si a voz dos trabalhadores, não faz ideia do que deseja o moço que fala e escreve “errado”, mas que sabe que, pra vida dele, ele nunca mais quer ter patrão.

Quem ignora a importância do futebol para a formação da identidade do brasileiro, não entendeu absolutamente nada sobre a construção social desse lado de cá, da periferia do mundo, do capitalismo atrasado, tardio. Quem ignora e se recusa a dialogar com o crescente número de cristãos pentecostais, comete o mesmo erro, e está sendo expectador, e dos ruins, da História que está passando diante dos seus olhos. Porque no fim das contas, o cara que ia ver o jogo do Flamengo na geral e o cara que está agora sentado no banco da Universal tem muito em comum, mas é difícil pras pessoas que justificam seu péssimo comportamento e falta de responsabilidade emocional com signo, perceberem isso. Porque as pessoas não abandonaram a mística da vida, não abandonaram a busca pelas explicações metafísicas da nossa existência, elas podem até ter abandonado Cristo, mas não podem ver um Prem Baba que correm atrás (como diria Anderson França, essa gente não crê no meu Deus, mas se vê um guru abusador, passa pano), além de fetichizar religiões de matriz africana e xamânicas, em muitos casos sem refletir no peso histórico e ancestral que elas têm, e com isso, sem as tratar com o devido respeito e reverência.

Ninguém aguenta mais o jovem místico, porque o jovem místico quer que a gente entenda cada merda que ele faz, e releve todas, porque ele nasceu em abril, ou em setembro, porque a lua estava alinhada não sei como, porque pensa mais em troca de energia do que troca de ISTs quando vai transar, porque não respeita os outros e porque, de modo geral, o jovem místico é altamente privilegiado, tem quem banque, vai buscar o "eu interior" em Bali, e quer falar em nome da classe trabalhadora, mas não faz nem ideia de quem ela seja.

Será que não vamos mesmo parar pra pensar porque essa parcela da população se sente representada por outro campo político, tentando raciocinar para além dos nossos próprios moralismos? Hein, galera da autocrítica? Será que não vamos mesmo?

Talvez hoje eu perca minha carteirinha de esquerdopata, mas eu estava louca pra dizer isso tudo. Amém.

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