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  • Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Já é natal na Leader Magazine, força aos funcionários...

Absolutamente todo mundo que me conhece sabe que passei anos trabalhando no comércio. Foram quase dez anos trabalhando com vendas, de formas diferentes. Pra ser muito sincera, nenhuma dessas formas me fez feliz e me deixou realizada profissionalmente, mas isso é so

bre mim e sobre o que me traz realização profissional, não vem ao caso.

Esses anos todos, porém, me deram certa noção sobre certas coisas, talvez não muitas, mas uma coisinha ou outra acho que sei como funciona. Os bastidores do comércio, só quem viveu sabe, e por mais que eu tente aqui falar coisas que ilustrem e, com isso, buscar despertar empatia, não sei se consigo. Cada vez mais eu penso que é muito difícil (não estou dizendo impossível), mas muito difícil mesmo, a gente se solidarizar de modo a não ser conivente com certas crueldades, sem ter sentido a crueldade na pele.

É natal, ou vai ser daqui a pouco, e não existe pior momento pra quem trabalha no comércio. Vendedores, estoquistas, operadores de caixa, seguranças de loja, todo mundo. Claro que pra quem vive de comissão, é hora de ganhar dinheiro, ou já foi, porque do jeito que as coisas estão, por melhor que se venda, está cada vez mais difícil ver um bom salário no final de qualquer maratona, seja de dia das mães, pais, namorados, black friday ou a famigerada época de natal.

Nessa época, em quase todas as lojas, os funcionários são obrigados a aumentar o turno, quando o assunto é shopping, geralmente dobrar, dobrar em um shopping significa que a loja vai abrir as 10 e fechar às 22h (isso se o horário não for estendido), e você vai chegar antes, e só vai sair quando tudo estiver em ordem. Pensando em quem vive em uma metrópole, como eu vivi e onde trabalhei em shopping, você também vai ter umas boas horas de condução, às vezes mais de uma. Faz a conta de quantas horas por dia são dedicadas ao trabalho em épocas como dezembro. E de pé, em alguns casos em cima do salto (eu já vivi situação de cima do salto, sem direito de sentar, posso afirmar categoricamente que é uma forma de tortura), maquiada, alinhada, nada de uniforme amarrotado e com sorriso no rosto e disposição pra tolerar a falta de noção dos possíveis clientes.

Uns anos atrás um famoso shopping do Rio de Janeiro, na última semana antes do natal ficava aberto 24h, alguns vendedores moravam no shopping por esses dias, tinham colchonetes pra breves cochilos no meio do estoque. Era hora de ganhar dinheiro, como ir pra casa e só voltar no dia seguinte, sabendo que esse é o momento de conseguir tirar o nome do SPC, ou de pagar pra fazer autoescola, ou de garantir o material escolar dos filhos, ou de, finalmente dar pra mãe a TV que ela tanto quer?!

Come em quinze minutos ou não come, fica o dia todo em pé, sobe e desce escada do estoque, vai retocar o batom, cuidado pra mexer no estoque, não pode sujar o uniforme, o cliente está muito puto porque a loja está cheia e ele não quer esperar, joga uma conversa, jogo de cintura pra não deixar aquela pessoa sair dali de mãos vazias, levou só um sapato, como assim você também não vendeu o cinto, a bolsa, a carteira? Já não te ensinei que precisa descer do estoque com tudo isso e fazer o cliente levar? Você também está sendo avaliada pela quantidade de peças por venda, se estiver com seu PA (peça por atendimento) baixo, não tem meta batida, não tem premiação, não tem aquela porcentagem ínfima a mais na comissão. Passar o mês de natal sem bater meta é sinal de fracasso, vendedor fraco, não deve gostar de dinheiro, não deve estar precisando, é passivo demais, falta garra, não aprendeu nada no último treinamento motivacional, com direito a gritos de palavras de ordem e tudo mais.

Tem outra coisa que nem todo mundo sabe, e sempre que posso faço questão de dizer, mas que costuma comover muito pouco: em grande parte das lojas existe uma coisa chamada “vez”. Os vendedores tem sua vez de atender, cliente entrou, vendedor na vez atende, fazendo ou não uma venda, vai pro fim da fila, o próximo da vez vem, e ele passa a ser o último. Sabe aquele dia que você tem certeza absoluta que não vai comprar nada, mas quer dar uma “olhadinha”? Você vai tirar o vendedor da vez apenas pra satisfazer sua curiosidade, já que você tem certeza que naquele dia não vai comprar, ele vai pro fim da fila, ele perdeu a chance de realmente fazer uma venda, ou ao menos atender alguém que entrou com o objetivo de comprar, mas perdeu essa chance pro seu passeio aleatório no shopping, perdeu a chance pra você querendo matar o tempo até a hora do cinema. Quando falo isso, muitas pessoas me dizem: ele não fez mais que a obrigação, está ali pra isso, pra atender quem entra, não só quem compra. Claro, é sim a obrigação do vendedor, assim como é a obrigação do ASG limpar, mas nem por isso eu vou pegar o papel higiênico sujo e esfregar nas paredes. Pode parecer uma comparação desproporcional, e talvez seja, mas é que eu já caí da vez (é a expressão usada entre vendedores, cair da vez) tantas e tantas vezes por conta de cliente caroço, que vai na loja toda semana apenas morcegar, que eu sou incapaz de entrar em qualquer loja, tendo a certeza de que naquele dia eu não vou comprar nada, só pra dar uma “olhadinha”. Por que eu não dou a olhadinha no dia de comprar? Por que eu quero ser servida por alguém apenas pra matar minha curiosidade sobre o que tem de novo naquelas araras?? Até hoje não encontro sentido.

Estoquistas e operadores de caixa muitas vezes trabalham sozinhos, e sim, sendo o sujeito apenas um só, ele não vai trazer com a rapidez que você acha que ele deveria aquela peça do seu número, nem conseguir passar compras inteiras, lidando com sistemas que travam, com internet que cai, com máquina de cartão que para de funcionar, em tempo recorde, porque não estão correndo uma maratona, estão tentando vencer aquele dia exaustivo de trabalho, e ainda precisam manter o sorriso e não responder às grosserias, os pits, os escândalos... no fim dessas coisas ainda pedem desculpas, pedem desculpas depois de terem tolerado um verdadeiro show, ou as vezes ofensas ditas em voz baixa, mas que gritam bem alto dentro da cabeça de quem as ouve.

É chato ir fazer as compras de natal, estressa todo mundo, o supermercado tem fila pra tudo, todas as lojas estão cheias, os vendedores atendem mais de uma pessoa ao mesmo tempo, mas isso pra você que não está no comércio, pra você que é cliente, vai durar algumas horas, que você vai pensar que são de tortura e agonia, e depois acaba, e você vai ver os sorrisos largos (sinceros ou falsos) de quem vai receber as “lembrancinhas”, ou vai comer sua comida caprichada da ceia. Pra quem trabalha ali, não passa, dá pra imaginar, apenas imaginar?!

De uma pessoa que passou anos vivendo isso, um pedido: tratem com humanidade e respeito as pessoas que trabalham no comércio. O ano todo, mas principalmente em dezembro. Tenham um mínimo de compreensão com as demoras, a atenção dividida. Não é de propósito, não é descaso. Eu pessoalmente tenho vontade de abraçar e dizer que vai passar e vai ficar tudo bem, mas como disse antes, eu sofri na pele, e tem horas que parece que só sofrendo na pele.

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