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  • Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Forte é o cacete!

Às vezes a gente se faz de forte, às vezes nos fazem de forte, às vezes não tem porra de

força nenhuma, é só você suportando, e apenas suportando, aos trancos e barrancos, as merdas que caem em cima da sua vida. Também tem aquelas vezes que você é forte mesmo, têm aquelas pessoas fortes e corajosas, isso existe, certamente. Mas não pense que isso vem de graça. Não pense que o preço que se paga não é alto.

Passei a vida toda cercada de pessoas consideradas fortes, pessoas que se faziam de fortes, pessoas que de fato eram e são fortes. Todas elas pagaram e pagam caro por isso. E o que mais vejo, nesse preço todo que existe, é a solidão. A força parece ser pressuposto pra solidão, uma coisa quase espartana. Te “treinam” pra ser forte, suportar quase tudo, e te jogam na “guerra”.

A mãe solo forte, a mulher forte que venceu barreiras estruturais pra alcançar um posto de destaque, sozinha, o pobre forte que se torna intelectual e olha em volta e está sozinho, a pessoa negra forte, que venceu as adversidades, se destacou e olha em volta e encontra a mais absoluta solidão.

Além da solidão existe a romantização da força. Fulana é uma guerreira, fulano é um batalhador, beltrano é forte como um touro. Aí você vai ver a fulana está à beira do colapso por não poder “fraquejar” por um segundo, o fulano batalhador, é, na verdade, uma pessoa que vive na mais profunda precariedade, vivendo com o resto de dignidade que ainda não foi retirada dele e o beltrano forte como um touro é o burro de carga de alguém.

Uma grande amiga, a maior que eu já tive na vida, que me deixou cedo demais, com o coração cheio de dor e saudade, uma vez me disse que ela já ouviu: “não se preocupe com ela, ela aguenta, ela é forte”. Meu coração sangra sempre que me lembro disso, porque ela estava exausta de aguentar, e na real, ela não aguentava merda nenhuma, ela sofria profundamente, ela tinha marcas profundas na alma.

Quando te colam na testa o adesivo de forte, acabou. Realmente pensam que você aguenta tudo, que você é imune à dor, que você não precisa de nada nem de ninguém, que você não sente medo, angústia, solidão, arrependimento, falta, buracos na alma. Te pintam de Robocop, quando na verdade você é só uma pessoa, não de lata, de carne e osso que doem, sangram, de espírito enfraquecido e solitário, precisando desesperadamente de um momento de fraqueza, de surto, de desespero, mas sem poder se dar o luxo de abandonar sua “força”, se não tudo em volta desmorona, junto com você.

Chico dizia que “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, menos o forte, o forte não tem esse direito, o forte tem que vencer tudo, sendo grato à vida pela oportunidade de crescimento que a adversidade traz; porque ainda tem mais essa, pro resto do mundo, o forte só cresce, só aprende, só vira gente, sofrendo. Pro forte não tem essa de Cora Coralina dizer que também crescemos com os toques suaves da alma, aos fortes apenas os golpes duros da vida.

A mãe solo está exausta de ser chamada de guerreira, está exausta de parto com violência obstétrica “porque ela aguenta dor”, está exausta de segurar sozinha a marimba toda. O trabalhador precarizado está exausto de ouvir que trabalha como um touro, está exausto de dormir 4 horas por noite, de andar 3 horas em pé na condução pra ir e mais 3 pra voltar. A mulher que peita os escrotos está exausta de peitar sozinha, está exausta de olhar pro lado e ver que não tem apoio de ninguém, está exausta de ouvir por aí que intimida os homens por sua força. Parece piada, e de péssimo gosto, mas romantizam a força da mulher que assume suas tretas ao mesmo tempo em que se dizem intimidados por ela.

Isso aqui não é um chamado à fraqueza, a irresponsabilidade com suas próprias tretas, ou uma reivindicação do direito de deitar em berço esplêndido e esperar que o resto do mundo te compreenda, porque isso é privilégio de playba, e eu não tenho nada que conversar com playba. Isso é um desabafo, talvez, quem sabe, misturado a um pedido de socorro, de alguém que já ouviu: “e você lá é pessoa de ter medo de alguma coisa?!”, e pensou: “sou sim, eu só queria que enxergassem isso”, mas preferiu calar e assentir.

Isso aqui é a constatação da exaustão de quem um dia, sem motivo algum, recebeu na testa a etiqueta de forte, mas que não aguenta tudo, não quer aguentar tudo, e que vai sucumbir à fraqueza que é sua por direito.

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