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Foto do escritorEsther De Souza Alferino

FOI PORQUE EU MERECI!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Como o ser humano difícil e negativo que sou (ao menos foi o que passaram a vida me dizendo, acreditei), tem muitas espécies de pessoas que me dão nos nervos, porque claro, uma pessoa difícil e negativa não é muito tolerante. Das pessoas que me dão nos nervos, as que conseguem me tirar verdadeiramente do sério são as que não enxergam um palmo à frente dos seus próprios privilégios.

Eu pessoalmente sou uma pessoa cercada de muitos privilégios. Pra começar, o privilégio branco, porque sim, people tão white quanto eu, privilégio branco existe, e ele nos coloca em um lugar de conforto que já passou da hora da gente admitir. Sabe como é não ter aquele receio de entrar em uma loja e não ser sequer atendida, ou de fazer um processo seletivo pra ser vendedora de shopping chique sem nenhum medo de ser eliminada pela aparência, cabelo, cor da pele?! Sabe, eu sei que você sabe. Então, isso não é pra todo mundo. Nos meus vários anos no comércio para o público chamado de “A”, no Rio de Janeiro, já trabalhei em mais de uma loja, mais de duas, mais de três, sem nenhuma colega negra para além do estoque. Por enquanto estou falando só do privilégio branco mesmo, dentro do contexto de trabalhadora pobre, que é o meu; e isso é excelente pra ilustrar que a vida é dura pra pobre, mas a vida é duríssima pra pobre e preto.

Meu cabelo é liso, ou quase liso, eu nunca fui gorda, minha pele é clara, e isso me traz uma imensidão de privilégios nessa sociedade racista, escravocrata, que acredita na bondade de Isabel e ainda hoje se recusa em falar de reparação histórica, e discutir política de cotas com honestidade.

Existem mais trocentos privilégios na minha vida: ter nascido em um lar estruturado emocionalmente, ter pais que me amam e respeitam, ter companheirismo de uma irmã, ter com quem contar, pra onde voltar, nunca ter experimentado na vida a fome, a incerteza da comida no prato, da cama quente a noite, da segurança do teto sobre a minha cabeça. Tive a melhor formação educacional que meus pais puderam me dar; de cabo a rabo na escola pública, que é a escola em que acredito. Lá aprendi tantas coisas, inclusive a ser gente, e entender que precariedade é outra coisa, não estudar em contêiner. Sou graduada e em poucos meses serei mestre, meu avô não assinava nem o próprio nome, então acredito que existe muito privilégio entre a geração dele e a minha.

Poderia passar aqui o dia listando meus privilégios, porque eles são muitos, mas não é sobre isso que, de fato, gostaria de falar.

Revisar nossos privilégios, reconhecer um a um, entender nosso lugar no mundo a partir deles não dói. Não dói nada, juro. Não é pecado nascer privilegiado, não é problema desfrutar do que sua condição te oferece, o problema é não enxergar que o seu desfrute é privilégio, e ainda ter a audácia, a petulância, a arrogância e, mais que tudo, a burrice sem tamanho, de achar que quem não tem o mesmo não está fazendo por onde, se esforçando o bastante, se organizando, se planejando, ou, seja lá que santo for.

Tem uma série que nunca assisti, que chama Atlanta, eu acho, mas vi um trecho dela em que o personagem falava algo do tipo: “eu sou pobre e preciso comer hoje, não daqui alguns meses, então não, eu não posso investir dinheiro em nada, porque eu preciso comer hoje, não quando meu dinheiro render”. Isso me tocou, de verdade. Porque de uns tempos pra cá algumas pessoas me questionam se eu junto dinheiro. Pessoas que conhecem minha vida, minha realidade material. Sério?! Eu sinceramente me ofendo, e me ofendo profundamente, com alguém que conhece a minha vida e me faz essa pergunta. Ter poupança é privilégio sim, amiguinho, privilégio esse que nunca pude ter. E tudo bem, estou super feliz de estar com o aluguel em dia.

Uma pessoa que conheço, que já fez parte da minha vida e hoje dou graças aos céus pelo livramento de não ter mais por perto (hello, se você me lê: sim, dou graças pelo livramento), pessoa bastante privilegiada, porém com fama de “desconstruidona da porra”, um dia disse que (ATENÇÃO) fazer mestrado e doutorado não era privilégio algum, porque algumas pessoas iam por esse caminho por não conseguirem se inserir no mercado de trabalho. Ela disse isso em um país onde uma parte considerável da população adulta não é alfabetizada. É a mesma pessoa que me chamou de tóxica por achar que trabalhar dentro do horário previsto não é “””abusivo””””. Tomara que ela não leia isso, tadinha, pode se ofender muito com o tanto de urânio e plutônio emanado de mim.

Eu poderia também falar de privilégio masculino, privilégio hétero, mas, por hoje, vou me ater ao de classe, um dos meus tópicos preferidos. Porque, pra mim, não importa em nada seu ativismo pelas mulheres, pela comunidade LGBT+, ou seja lá qual for, se você não enxerga que as desigualdades de classe permeiam tudo.

Então, gente, me desculpe a indelicadeza, mas ter conhecido o mundo com o dinheiro dos seus pais, ter sido “gerente” da empresa da família aos 21, não ser preterida (o) em relacionamentos por não atender a certos padrões estéticos, ter a própria empresa antes dos 30 com investimento familiar, fazer ano sabático em Bali pra conhecer seu verdadeiro eu interior, sabendo que toda sua estrutura e renda continuam aqui te esperando, são apenas privilégios, e privilégio não é pecado, mas não é algo que você mereceu, talkey?


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