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Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Desculpa, mas você não é especial

A Netflix (vocês sabem que é “a” né?!) lançou um novo filme, The Hater, aqui pra nós veio como Rede de Ódio. É polonês, idioma estranho, mas achei a temática urgente, e adorei a narrativa. Fake news, perfis falsos, ondas de cancelamento, linchamento virtual... finalmente abordaram essa t

erra de ninguém em uma das suas faces mais cruéis.

Esse filme me fez pensar sobre a vida inventada da internet, pessoas que trabalham com internet, para internet, vivem de internet. Me fez pensar em que momento “instagramer”, “blogueiro”, “influencer” viraram profissões, e o que eu estava fazendo da minha vida enquanto isso acontecia, porque a errada devo ser eu, que acho que sair por aí se apresentando como blogueira é algo estranho. Mas é claro que a errada sou eu, estou dizendo isso em um blog!

Eu sempre admirei a autoestima e coragem dos artistas. Porque é preciso um bocado de confiança pra subir em um palco e pensar: “eu sou bom o suficiente pra cantar pra essa gente toda ouvir”, ou seja lá qual for a expressão artística do cidadão. Agora imagine minha surpresa ao ver a autoestima de quem se acha relevante o suficiente pra ser “influencer” e ponto. Não se tornou influencer por ter expertise em algo. Não, não. A pessoa apenas influencia, quem e com o quê não sabemos, mas influencia e faz dinheiro. Foi algo como quando eu descobri perplexa que as Kardashian não eram cantoras, e até hoje sigo sem saber porquê são famosas.

Outra coisa interessante é essa do dinheiro, os “nascidos para vencer”, criados em berço esplêndido, têm muita facilidade em fazer dinheiro, mas isso é outra história.

Voltando ao filme, boa parte dos perfis com milhões de seguidores é cheio de robôs, que são literalmente encomendados pra seguirem, elogiarem, curtirem e serem “engajados” em tudo o que esses mega perfis produzem. Não são números reais. Claro que a Shakira e a Beyoncé tem mesmo milhões de seguidores, mas tem uma parte de robôs ali, inclusive essa parte serve pra iniciar um perfil, alavancar, e fazer girar a roda das redes antissociais, como diz o Pedro Cardoso (também conhecido como Augostinho Carrara), quanto mais seguidores um perfil tiver, mais ele vai ter, a menos que ele seja “cancelado”, é claro.

Os cancelamentos acontecem todos os dias, e como, aparentemente, as pessoas só existem ali, nas redes antissociais, se forem canceladas, já era. Dia desses houve um cancelamento bem doido, uma moça muito radical resolveu cancelar uma outra moça porque ela fez publi (não é publicidade, é publi, apenas) pra uma empresa de lâminas de raspar perna, porque né, a moça radical, que também faz suas publis, acha que uma feminista não tem o direito de ganhar dinheiro com depilação feminina, essa coisa que nos oprime há séculos, e assim a moça branca, classe média, padrão de beleza cancelou uma moça gorda, que usa as redes justamente pra falar de gordofobia, porque ela ganhou dinheiro pra tirar foto raspando a perna.

Você imagina a importância que uma pessoa dá a si mesma pra ela achar que tem o poder de “cancelar” a outra?! Já pararam pra pensar nisso? “Oi meus seguimores, hoje nós vamos cancelar fulana”. QUE AUTOESTIMA DA PORRA! Quem a criatura pensa que é pra decidir sobre o consumo que os outros farão nas redes?!

Não é porque uma empresa te manda brindes pra postar nos “recebidos de hoje” que a criatura reina. Não é porque recebe muito direct que decide quem vai e quem fica na efemeridade das redes, mas parece que não contaram isso pros instagramers.

Quando eu penso sobre isso eu só consigo chegar a uma conclusão: a pessoa branca, classe média, que acessou certos bens de consumo, que acessou e acumulou certo capital cultural, manja de inglês pras hashtags, fez umas viagens pra ter foto boa, essa pessoa se leva muito a sério. Essa pessoa acredita de fato que é importante, que faz a diferença, que é essencial. Essa pessoa realmente acredita que está mudando o mundo com seu conteúdo, ela realmente acha que influencia tudo. Os “nascidos para vencer” foram criados com a promessa de que o mundo seria deles, que eles seriam tudo que quisessem ser, e eles tiveram muitas ferramentas durante toda a vida pra acessar o que nós da ralézona não acessamos. Essa é a fórmula perfeita pra criar o sujeito que se acredita essencial, que se leva a sério a ponto de ir a público explicar a vida pessoal, ou fazer um chamado ao cancelamento do outro. Alguém disse, e essa gente acreditou, que é especial. Afinal, por que estamos em um lugar onde é importante saber o que Felipe Neto pensa sobre política?

Eu confesso que invejo toda essa autoestima e confiança, porque eu não boto fé alguma em mim mesma, me dou o benefício da dúvida, mas estou sempre me achando uma fraude. Invejo muito quem se acha assim tão imprescindível, mas também tenho um pouco de medo. Aquele espacinho pra dúvida, quando não existe, me dá um pouco de medo.

Por essas e outras prefiro sempre os perfis de donas de casa. Aprendo receitas culinárias de baixa renda, aprendo truques diversos de limpeza e organização, e ainda de sobra tem sempre uma aula de economia doméstica.

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