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  • Foto do escritorEsther De Souza Alferino

Amor próprio: onde vive? Do que se alimenta?

Imagine você sendo aquela pessoa que conhece outra pessoa legal, que parece ter bastante em comum com você, que dá risada das babaquices que você fala, olha nos seus olhos quando conversa, demonstra super interesse, massss, dá ênfase no fato de “não ser o momento pra ter nada sério”. Então essa pessoa se afasta, e passando pelo feed do Instagram poucos meses depois você se depara com uma foto linda de casal apaixonado, daquela pessoa que não estava na fase de se envolver, as vezes com aliança no dedo e tudo. Ainda que você não estivesse apaixonado de quatro, é quase inevitável pensar que, na verdade, aquela pessoa não queria nada COM VOCÊ.

Agora imagina que, sendo essa pessoa, isso começa a acontecer com muita frequência, se torna basicamente um padrão dos seus relacionamentos efêmeros em tempos líquidos, onde nada foi feito pra durar, aparentemente COM VOCÊ, porque o fulaninho que te dispensou por não estar pronto pra entrar em um relacionamento, marcou casamento COM OUTRA PESSOA. Quando começa a acontecer de novo e de novo e de novo, você começa a se questionar se seria você uma despedida de solteiro personificada.

Ainda no exercício da imaginação, tente pensar que você, apesar de saber com muita clareza que não está assim tão distante dos padrões estéticos estabelecidos pela sociedade doente e doentia em que vivemos, ouviu (e as vezes ainda ouve), coisas pejorativas sobre a sua aparência física, e também sobre seu comportamento, e também sobre suas escolhas pessoais e profissionais, e também pelas suas roupas, e sei lá mais o quê.

Quando se chega a certa fase da vida adulta sem atender a algumas expectativas sociais, familiares, pessoais, os pensamentos e ideias de si mesmo tendem a ser pouco elogiosos. As comparações cruéis começam, porque alguém é concursado federal aos 25, e outro alguém está na Suécia em uma multinacional incrível, ganhando em euro, e mais alguém já conheceu mais países do que tem dedos nas mãos e pés somados, porque a casa própria do fulano, com móveis planejados e geladeira de inox, veio antes dos 30, porque aquela moça aparentemente é absolutamente irresistível a todos os homens, porque ela nunca esteve sozinha por mais de 5 dias desde os 15 anos, e porque todo mundo parece realizado em muitos aspectos da vida, menos você.

Isso não é sobre as expectativas cruéis que a sociedade de consumo nos impõe, e sobre as evidentes frustrações que essas expectativas vão nos trazer, em maior ou menor grau pra cada pessoa. Isso é sobre olhar pro lado, se ver sozinho, sozinho mesmo, em profunda solidão, e perceber que não é uma escolha. É sobre passar toda uma vida se sentindo preterido por tudo, por todos, em tudo. É sobre estar em um ponto da vida, que tanta coisa já aconteceu em um padrão cruel e frustrante, que desconheço autoestima que resista, autoconfiança que se sustente.

Você nasce pobre, acessa lugares que um dia foram só de uma casta selecionada, como a academia, por exemplo. Mas você não sabe nada de francês, nunca leu Freud, não sabe citar teóricos quando conversa, pena pra ler textos em inglês sem o google tradutor. Será que dá pra imaginar que esse lugar é seu, legitimamente? Será que dá pra não se sentir impostora ali?

Você é deixada, traída, preterida, não assumida, em tantas, mas tantas relações, que você começa sim a aceitar a solidão imposta como seu destino, mesmo tendo dúvidas se acredita ou não em destino. Dá pra pensar diferente? Dá pra imaginar que o padrão vai ser quebrado, ou que você não é assim tão detestável que alguém vai escolher ficar? Dá pra não se comparar com as pessoas ao seu redor, que parecem ter em si toda a autoconfiança do mundo? Dá pra não se perguntar incessantemente o que há de errado com você? Porque sim, você já entendeu que existe algo de errado com você, não existe alternativa pra explicar o que é um padrão.

Eu odeio TUDO que tenta motivar, dizer que a vida é bela e que o amanhã nos reserva coisas maravilhosas e que vamos viver felizes pra sempre. Eu odeio TUDO que nos incutem, desde a mais tenra idade, sobre almas gêmeas, vida realizada, príncipe encantado, sucesso em todos os aspectos da vida, e que o tempo trata de colocar tudo em seu devido lugar. Porque a realidade crua é absolutamente distante disso, e, se para alguns viver sem esperança é como não viver, pra mim, viver cheia de esperanças vazias é como treinar pra sempre pra coisas que talvez nunca aconteçam.

Uma vez eu li que a ansiedade é a irmã histérica da esperança. Poucas coisas fizeram tanto sentido pra mim.

Porém, nem tudo aqui é um lamento. Assim como odeio motivacionais, também odeio a ideia de que você não pode amar ou ser amado, até que você tenha aprendido a amar a si mesmo. Ainda que eu não tenha aprendido a me amar ainda, eu não vou recusar amor, seria mais uma crueldade, onde já existem tantas. Eu não vou me punir por ainda não ser capaz de amar quem eu sou, quem eu vejo no espelho, e nisso, eu concordo plenamente com os Paralamas do Sucesso (sim, eles mesmo, me deixa), porque eu acredito que sim, “saber amar, é saber deixar alguém te amar”. E quem sabe o amor próprio também pode surgir disso, porque como um dia escreveu Guimarães Rosa, “qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”, e isso

não diz respeito a aceitar migalhas.

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