Esthérica. Meu nome permite um trocadilho que em outros tempos me deixava pra morrer, e que agora resolvi usar como o nome da “página” que criei pra falar sobre o que me der vontade.
A gente sabe, ou, alguns de nós sabemos, que histeria é uma patologia associada a nós, mulheres. Andei lendo que o primeiro a teorizar so
bre a histeria foi Hipócrates, que acreditava que o sangue do útero ia pro cérebro, causando coisas estranhas em pessoas que nasceram com útero; mas foi com Freud que essa coisa toda de histeria ficou famosa.
Eu não sou psicanalista, minha leitura de Freud é pífia, então é claro que não vou passar a vergonha de ficar aqui tentando teorizar sobre quem está certo ou errado, se histeria existe ou não e porque nos foi imputada tal condição, ou alguém conhece algum homem que tenha recebido o diagnóstico de histérico?
Do pouco que li, e do quase nada que sei, os diagnósticos de histeria eram dados a mulheres com episódios de pânico excessivo, descontrole emocional, distúrbios de personalidade, entre outras coisas. Rezam as lendas que algumas mulheres com tal diagnóstico eram apenas mulheres que se recusavam a dançar conforme a música da sociedade patriarcal, de classes, misógina e intolerante. Outras, ao que parece, sofriam muito com as alterações hormonais da TPM. Mas, como disse antes, não sou capaz de opinar com um mínimo de honestidade intelectual sobre o assunto.
Corta pro final do século XX, bem depois de Freud, mais precisamente a década de 90, a década em que cresci (nasci na de 80). Histérica era lugar comum pra mim, afinal, pânico excessivo, episódios de medo generalizado, descontrole sobre minhas emoções, era uma constante, o trocadilho com meu nome começou aí. Acho difícil ter o meu nome, parecer uma criança histérica, e não surgir alguém pra pensar que Esther e histérica são coisas que combinam, combinam direitinho.
Esse texto é bem todo sobre mim mesmo, gente, então, desculpa, mas vocês vão ouvir (ler) sobre minha vida. Eu tive insônia na infância, e também era sonâmbula, então, ou estava sem dormir, ou estava em episódios de sonambulismo. Nas férias, quando junta aquele monte de primos, ou ir dormir na casa de outras pessoas, não são exatamente coisas interessantes quando você tem essas condições peculiares de sono, ou falta de.
Eu também tinha medo excessivo, absolutamente fora do normal, era pânico mesmo, medo de tudo: de dormir no escuro, de que meus pais ou minha irmã parassem de respirar a noite, que a luz acabasse, de ficar cega e viver pra sempre no escuro, de enfartar (sim, eu tinha medo de enfartar, na verdade ainda tenho), e um dos mais significativos, e que me acompanha até hoje e se tornou fobia, medo de lugares fechados e apertados, em especial de elevadores. Semana passada mesmo eu subi 13 andares de escada, falando com a minha mãe no telefone pra me manter mais calma, porque mesmo o espaço fechado da escada me incomoda, mas entrar em um elevador, hoje, não é uma hipótese. Claustrofobia severa, dizem que é o nome disso.
Meu medo me tornou uma criança bastante chorona e um bom alvo pras implicâncias, em especial vindas de parentes, sim, parentes, família é outra coisa, família é minha irmã que segurava minha mão de madrugada quando eu não conseguia dormir, mesmo que ela estivesse caindo de sono, não quem ficava acordado pra me ver em sonambulismo e fazer de mim a piada das férias de verão. Chorar foi uma das coisas que mais fiz quando era pequena, e as vezes nem eu mesma entendi o motivo. Sei lá se tinha motivo, eu tinha vontade.
A doida da casa chora muito, tem medo de tudo, anda e fala dormindo, ou simplesmente não dorme, tem uns ataques “histéricos”, é estranha e fraca. Muito fraca.
Aí eu associei choro à fraqueza, cresci e resolvi parar de chorar. Passei uns bons anos só chorando em enterros de pessoas queridas e nada mais. Chorar era pros fracos e eu não era mais a fracote, muito menos a doida da casa.
Pior decisão da vida. Neguei quem eu sou, enfiei minhas questões pra debaixo do tapete, me tornei blasé comigo mesma e com a minha saúde mental, achando que ignorar era o melhor, ao menos era menos vergonhoso. Porque sim, claro que a gente sente vergonha depois de uma noite de sonambulismo, de uma crise de choro de medo, de explicar que vai de escada, mesmo sendo muita coisa pra subir, porque de elevador não rola. A vergonha é companheira constante.
Adulta, e com um mínimo de maturidade pra compreender certas coisas, voltei a me dar o direito de chorar e choro sempre que me dá na telha, com ou sem motivo. Adulta, depois de recalcar quase tudo que sentia, me vi precisando de medicação pra lidar com as crises constantes de pânico, que se tornaram síndrome, como a ansiedade generalizada. Adulta, depois de um tempo na análise, me dei conta de que sou depressiva, ou melancólica, desde que tenho memória.
Eu também fui uma criança expansiva, comunicativa, com facilidade pra fazer amigos, que se mistura com facilidade. E daí? A noite eu continuava sem dormir, sentindo angústia sem saber explicar.
Hoje eu me vejo, me assumo e tento me amar Esthérica. Com pânico, ansiedade, melancolia, claustrofobia, medos idiotas e coragens sem juízo, medicação sem glamourização, mas sem culpa ou demonização.
Não romantizo minhas questões, mas não me culpo mais pela saúde mental que eu consigo ter hoje.
Obrigada, psicanálise.
Edit: Depois de ler minha irmã me alertou que quem me pegou abrindo a porta sonâmbula foi ela, não meu pai. Não sei porquê mas tinha memória de que havia sido meu pai, mas foi ela, inclusive nossa mãe confirmou. Nós dividíamos quarto e ela me vigiava.
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